Por
que ensinar gêneros textuais na escola?
Maria Helena Santos Dubeux e Leila
Nascimento da Silva
Em uma perspectiva sociointeracionista, os eixos centrais do
ensino da língua materna são a compreensão e a produção de textos. Nessas
atividades, convergem de forma indissociável fatores linguísticos, sociais e
culturais. Nelas, os interlocutores são participantes de um processo de
interação, e, para isso, precisam ter domínio da mesma língua e compartilharem
as situações e as formas como os discursos se organizam, considerando seus
propósitos de usos e os diversos contextos sociais e culturais em que estão
inseridos. (SANTOS, MENDONÇA E CAVALCANTE, 2006).
Nesse sentido, a
língua se configura como uma forma de ação social, situada num contexto
histórico, representando algo do mundo real. O texto, portanto, não é uma
construção fixa e abstrata, mas, sim, palco de negociações e produções de
múltiplos sentidos. Os textos são produzidos em situações marcadas pela cultura
e assumem formas e estilos próprios, também historicamente marcados. Diferentes
textos assemelham-se, como diz Bakhtin (1997), porque se configuram segundo
características dos gêneros textuais que estão disponíveis nas interações
sociais. Desse modo, pode-se dizer que a
comunicação verbal só é possível por meio de algum gênero que se materializa em
textos que assumem formas variadas para atender a propósitos diversos. Para
melhor entendermos essa discussão, é importante enfocar as diferenças entre
gêneros textuais e tipos textuais.
Para compreendermos essas relações entre tipos textuais e
gêneros, passamos a definir essas noções fundamentais para se trabalhar leitura
e produção textual na sala de aula, conteúdo central da unidade 5.
Referimo-nos a tipos
textuais para tratarmos de sequências teoricamente definidas pela natureza
linguística da sua composição: narração, exposição, argumentação, descrição,
injunção. Não são textos com funções sociais definidas. São categorias teóricas
determinadas pela organização dos elementos lexicais, sintáticos e relações
lógicas presentes nos conteúdos a serem falados ou escritos, distinguindo-se
capacidades de linguagem requeridas para a produção de diferentes gêneros
textuais. (MARCUSCHI, 2005; MENDONÇA 2005; SANTOS, MENDONÇA E CAVALCANTE,
2006).
Os gêneros textuais, segundo Schneuwly e Dolz (2004),
são instrumentos culturais disponíveis nas interações sociais. São
historicamente mutáveis e relativamente estáveis. Emergem em diferentes
domínios discursivos e se concretizam em textos, que são singulares. Assim,
para que a interação entre falantes aconteça, cada sociedade traz consigo um
legado de gêneros, por meio dos quais são partilhados conhecimentos comuns. Em
consequência das mudanças sociais, os gêneros se alteram, desaparecem, se
transformam em outros gêneros. Desse modo, novos gêneros textuais vão se
constituindo, em um processo permanente, em função de novas atividades sociais.
Se isso não ocorresse, a comunicação seria quase impossível, pois cada demanda
comunicativa exigiria a construção de um texto configurado de modo completamente
novo, que por sua vez precisaria ser compreendido pelos envolvidos na atividade
para que a interação acontecesse. Segundo Bakhtin, (1997, p. 302): “Aprendemos
a moldar nossa fala às formas do gênero e, ao ouvir a fala do outro, sabemos de
imediato, bem nas primeiras palavras, pressentir-lhe o gênero, adivinhar-lhe o
volume (a extensão aproximada do todo discursivo), a dada estrutura
composicional, prever-lhe o fim. (…) Se não existissem os
gêneros do discurso e se não os dominássemos, se tivéssemos de construir cada
um de nossos enunciados, a comunicação verbal seria quase impossível.” Observamos que para Bakhtin (1997),
os gêneros exercem certo efeito normativo. Por funcionarem como modeladores dos
discursos em qualquer situação de interação verbal, os falantes recorrem a
eles. Por possuírem aspectos relativamente estáveis/ comuns, os gêneros servem
como modelos, de modo que textos diferentes são apontados como pertencentes ao
mesmo gênero na medida em que possuem, por exemplo, “conteúdos”, “construções
composicionais” e “estilos” semelhantes entre si. Nesse sentido, como foi dito,
ao discutir o papel social dos gêneros nos atos interlocutivos, Schneuwly
(2004) apresenta a noção de gênero como instrumento, utilizado/tomado pelo
sujeito para agir linguisticamente.
Nesse sentido, o autor, baseando-se no
conceito de instrumento psicológico vygotskyano ressalta que, na perspectiva do
interacionismo social, “a atividade é necessariamente concebida como tripolar:
a ação é mediada por objetos específicos, socialmente elaborados, frutos das
experiências das gerações precedentes, através dos quais se transmitem e se
alargam as experiências possíveis”. (SCHNEUWLY, 2004, p. 21). Portanto, os
objetos específicos se constituem nos instrumentos que segundo Schneuwly (2004,
p. 21) ”[...] encontram-se entre o indivíduo que age e o objeto sobre o qual ou
a situação na qual ele age: eles determinam seu comportamento, guiam-no, afinam
e diferenciam sua percepção da situação na qual ele é levado a agir [...]”. A
partir dessas citações, percebemos a relação que Schneuwly (2004) estabelece
entre o conceito de instrumento e o papel dos gêneros como mediadores das
atividades de interação verbal das pessoas na sociedade. O autor explica: “Há
visivelmente um sujeito, o locutor-enunciador, que age discursivamente
(falar/escrever), numa situação definida por uma série de parâmetros, com a
ajuda de um instrumento que aqui é um gênero, um instrumento semiótico
complexo, isto é, uma forma de linguagem prescritiva, que permite, a um só
tempo, a produção e a compreensão de textos.” (SCHNEUWLY, 2004, p. 23-24) Por
meio dos gêneros, a ação discursiva é, ao menos parcialmente, prefigurada para
cumprir os objetivos definidos para certas atividades.
As experiências prévias
de interações permitem aos participantes da situação de comunicação específica
chegar a um grupo de gêneros que possivelmente podem ser utilizados nas
situações de interação. Koch e Elias
(2009) destacam que os gêneros textuais são diversos e sofrem variações na sua
constituição em função dos seus usos. Explicando essa dinâmica de ampliação
dos gêneros, as autoras apresentam como exemplos o e-mail e o blog, que como
recursos recentes decorrentes do progresso tecnológico, são respectivamente
transmutações das cartas e dos diários. Portanto,
o grande desafio para o ensino relativo ao componente curricular Língua
Portuguesa é trabalhar com essa diversidade textual na sala de aula, explorando
de forma aprofundada o que é peculiar a um gênero textual específico, tendo em
vista situações de uso também diversas.
No trabalho em sala de aula com os gêneros duas dimensões se
articulam. A primeira se refere aos aspectos socioculturais relacionados a sua
condição de funcionamento na sociedade e a segunda se relaciona aos aspectos
linguísticos que se voltam para a compreensão do que o texto informa ou
comunica. Refletindo sobre essas relações, como defendem Schneuwly e Dolz
(2004), enfatizamos a importância de se
proporcionar aos alunos contatos com os mais diversos gêneros textuais.
Para esses autores, o ensino da leitura
e da escrita na escola pode ser sistematizado de forma que o aluno possa
refletir, apropriar-se e usar diversos gêneros textuais. Conforme sintetizam Mendonça e Leal (2005),
com uma proposta de aprendizagem em espiral, um mesmo gênero pode ser
trabalhado em anos escolares diversos ou até na mesma série, com variações e
aprofundamento diversos. Com essa discussão teórica acerca do conceito de
gênero textual, procuramos fornecer ao professor elementos que lhe permitam
criar situações de ensino que favoreçam o processo do alfabetizar letrando.
Salientamos, no entanto, que é preciso tomar alguns cuidados:
1. Escolher
os textos a serem lidos, considerando-se não apenas os gêneros a que pertencem,
mas, sobretudo, o seu conteúdo (o que é dito), em relação aos temas
trabalhados. O objetivo é que as crianças aprendam a ler e escrever, mas também
aprendam por meio da leitura e da escrita;
2. Propor
situações de leitura e produção de textos com finalidades claras e
diversificadas, enfocando os processos de interação e não apenas as reflexões
sobre aspectos formais;
3. Escolher
os gêneros a serem trabalhos com base em critérios claros, considerando-se,
sobretudo, os conhecimentos e habilidades a serem ensinados; relações entre os
gêneros escolhidos e os temas/conteúdos a serem tratados;
4.
abordar os gêneros considerando não apenas aspectos composicionais e
estilísticos, mas, sobretudo, os aspectos sociodiscursivos (processos de
interação, como as finalidades, tipos de destinatários, suportes textuais,
espaços de circulação...).
Tomando-se tais cuidados, o trabalho com os textos ocorre de
modo articulado ao ensino dos gêneros, de forma que refletir sobre o gênero
seja uma estratégia que favoreça a aprendizagem da leitura e da produção de
textos.
Fonte: Pacto Nacional
pela Alfabetização
na Idade Certa
Ministério da Educação
Secretaria de Educação Básica
Diretoria de Apoio à Gestão Educacional
Brasília 2012.
O TRABALHO COM GÊNEROS TEXTUAIS
NA SALA DE AULA
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